Entrevista para jornal cearense


O POVO – Você escreveu o Dicionário do Morcego. Como foi esse processo? Como ele começou?
SÍLVIO RIBAS – O Dicionário do Morcego era um projeto antigo, dos tempos de Faculdade de Jornalismo, na PUC Minas. Em plena época do cinqüentenário de Batman (1989), houve uma explosão de interesse e informação sobre o meu herói preferido, e não apenas devido ao sucesso avassalador da superprodução nos cinemas, dirigida por Tim Burton. O personagem ganhou nos anos anteriores várias histórias importantes e a Batmania colocou sua trajetória sob profunda análise. Propus, via correspondência (não havia Internet naqueles dias), a outros fãs espalhados pelo Brasil que indexássemos todos os dados que colhíamos freneticamente na imprensa numa enciclopédia coletiva, a qual eu seria o organizador. A morosidade na troca de cartas e as urgências do começo da vida adulta colocaram meu sonho na gaveta. Somente em 2005, com a volta do Morcegão à telona e o decisivo apoio de um amigo meu, o jornalista e escritor Gonçalo Júnior, escrevi em poucos meses o livro, que lancei quase junto com Batman Begins.

OP – Como o livro está organizado e que períodos da vida do personagem ele abrange? As séries mais antigas participam de que forma?
SR – O livro está desatualizado porque a editora não quis investir numa segunda edição ampliada e revista para a véspera da volta triunfal aos cinemas de todo o mundo. Ele tem 1,5 mil verbetes que abrangem todas as adaptações de Batman até então nos quadrinhos, cinema, TV e outras mídias desde seu surgimento, em maio de 1939. Desde os filmes dos anos 40 até a espetacular série televisiva dos anos 60, estrelada por Adam West e Burt Ward, tudo foi contemplado de forma equilibrada. Mas ainda inclui uma lista de fontes bibliográficas, a cronologia e várias análises sobre as razões do sucesso da criação do desenhista americano Bob Kane. Também fiz questão de incluir curiosidades de bastidores das várias interpretações do herói, da dedicação de alguns batmaníacos e as influências do ídolo no Brasil. Sidney Gusman, um dos maiores especialistas em quadrinhos do País, publicou pouco depois o valioso guia 100 Perguntas Sobre Batman e, em 2006, o estudioso Jorge Ventura lançou Sock! Pow! Crash!, a grande obra de referência sobre o seriado televisivo Batman (1966-1968).

OP – Como surgiu o interesse pelo personagem criado por Bob Kane e como ele foi se transformando ao longo do tempo?
SR – Igual a muitos da minha geração, que hoje tem em torno de 40 anos. Nos anos 70 e 80 curtíamos o seriado da TV. Queríamos ter o batmóvel do Adam West e viver aquelas aventuras inocentes. Também havia os quadrinhos desenhados e escritos por artistas geniais. Com o tempo, percebi a complexidade psicológica de Batman, seu aspecto essencialmente humano, que o faz um herói único. É muito interessante se enfronhar no universo de um mito moderno que é também ícone cultural.

OP – Você se considera um especialista em Batman?
SR – Na verdade, tenho preferido ser chamado de estudioso do fenômeno Batman do que um batmaníaco. Sempre gostei de colecionar tudo que dissesse respeito ao personagem, coisa de fã mesmo. Tenho amigos que vão além e se fantasiam do herói e curtem o personagem de várias formas. No meu caso, acabei nos últimos anos, até por uma questão de escassez de espaço, focando meus interesses na informação. Doei meus brinquedos para outro bat-colecionador e, depois de compilar muitos dados no original do livro, deixei quase toda minha hemeroteca (recortes de jornais e revistas) na Gibiteca de Belo Horizonte. Ainda tenho perto de 4 mil revistas em quadrinhos. Talvez eu digitalize algumas e conserve só as clássicas. Mesmo assim, acabo às vezes ganhando algum bat-suvenir de presente. Apesar de reunir muita informação editada sobre o mesmo tema, precisaria de ainda mais rigor técnico e crítico na organização de milhares de dados, para ser oficialmente considerado especialista em Batman, como os dos EUA, que são até consultores da Warner.

OP – Que aspectos você destacaria da personalidade de Batman? E de Bruce Wayne? Como essas duas máscaras sociais dialogam?
SR – Há, acredito, um consenso de roteiristas, críticos e fãs de que Batman é a verdadeira personalidade de Bruce Wayne. O bilionário playboy e filantropo é um embuste para esconder as reais motivações do homem mascarado. A persona sem máscara é, pois, a que esconde não a que revela. Trata-se de um interessante exercício de dualidade. Nas versões em desenho animado a partir de 1992 e as últimas do cinema a partir de 2005 mostram os atores mudando até o timbre de voz ao incorporarem o homem-morcego. O escritor americano Cary Friedman, que também é rabino, dissecou bem os valores da personalidade de Batman, sendo o maior deles a firmeza de propósito, a perseverança de caráter e objetivos. É o herói de origem trágica (viu aos oito anos seus pais serem assassinados por um assaltante) que converteu seu desejo de vingança em algo bom (lutar para que ninguém sentisse a mesma dor). Bruce, Batman aliás, se isolou nas sombras e delas transcendeu.

OP – The Dark Knight parece ter provocado um dos maiores movimentos de fãs em torno de um filme inspirado em quadrinhos. Desde julho de 2007, quando foi anunciada a continuação do filme, houve uma enxurrada de informações. Você tem acompanhado a publicidade que cerca o Cavaleiro das Trevas? Como você avalia essa estratégia?
SR – Sem dúvida nenhuma boa parte do grande sucesso de bilheteria deve ser creditada a uma série de ações de marketing viral, na Internet, em locais públicos e outros meios, sobretudo nos EUA, ao longo de um ano inteiro. Algumas coisas já vinham sendo testadas desde Batman Begins (2005) e muitas outras foram testadas agora, como uma TV a cabo virtual de Gotham City, as frases emblemáticas (Why so serious?, por exemplo) e a campanha do personagem Harvey Dent no mundo real para ser promotor. A idéia era manter a curiosidade em alta, alimentando ela aos poucos e colocando o público para dentro do filme antes dele aparecer na tela. Acredito que isso se deve também ao esforço da indústria cinematográfica de se ajustar à concorrência criminosa da pirataria (parece que conseguiu driblar) e à velocidade da comunicação digital e globalizada. A estratégia já deu certo e o resultado pode ser The Dark Knight no topo das bilheterias de 2008.

OP – Você tem algum filme preferido (da série)?
SR – Até agora era o Batman Begins, mas já foi desbancado por The Dark Knight. Ainda bem que a tendência agora é de melhora e não de piora, como foi entre o segundo e o quarto filmes.

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